Primeiro veio a publicidade, depois o design. Ambos pela formação acadêmica e, claro, pelo talento. A fotografia chegou intensa, inquietantante. Virou estudo, livro, ofício e sonho do belo-horizontino Arthur Senra. “Minha carreira de fotógrafo é recente, mas tenho além da preocupação técnica, a vontade de criar, de alcançar a poesia, afinal minhas fotos são para serem lidas”, explica.
Assim, ele vem demarcando seu trabalho com personalidade. Os retratos são acompanhados de poemas em prosa ou sonetos, que não impedem o espectador de tecer os próprios olhares e leituras sobre a arte. Senra interrompe para lembrar que o casamento com o texto surgiu de maneira completamente espontânea. “Não sou escritor, e meu interesse pela leitura e escrita se aprofundaram na faculdade de comunicação, quando venci o desafio da dislexia, desenvolvendo uma fórmula para o meu entendimento da linguagem”.
Retratista
Nas descobertas que vem realizando pela fotografia, Arthur Senra encontrou no retrato sua maior identificação. “O retrato é maravilhoso porque existem as possibilidades de lidar com extremos: há todo o planejamento, que vai do roteiro, da estruturação, da luz até o insight. O inesperado garante momentos únicos”, conta.
Pedindo o prazer legítimo e o movimento preciso, o fotógrafo faz suas próprias orações ao tempo diante de seus retratados. O equacionamento entre tempo ideal versus tempo idealizado nem sempre é possível. Mas quando pode viver o mundo sem relógios produz ensaios que demandam seis horas a fio. “Gosto de conversar bastante, de interagir. Não importa se é alguém acostumado ou não com as lentes”, revela.
Todo mundo tem o melhor ângulo, as melhores caras e bocas, o que mesmo para os profissionais e artistas mais experientes é um desafio a ser encarado. “Eu uso, às vezes, a tática do Richard Avedon para causar um desconforto, quando percebo que isso vai acontecer. Também mostro as fotos no processo do ensaio, para que a pessoa fique mais segura, sinta-se participante e consequentemente se abra para as lentes”, explica Arthur.
A cumplicidade pode ser mais certeira do que iluminação, especialmente porque os nus estão em destaque no portfólio do artista. “Já retratei modelos acostumadas a esse tipo de fotografia e também anônimos, que se sentem mais inibidos. Eu sempre tive muita liberdade com quem trabalhei, mas não existe nenhuma fórmula mágica. O que me guia é a singularidade de cada momento e o respeito pelo fotógrafo”, garante.
Arthur Senra equilibra vertentes como a fotografia publicitária, fotografia de moda, o fotojornalismo e projetos autorais, com viés social. “Estou envolvido no projeto ‘Negro sobre Preto’, da Cufa (Central Única das Favelas), que valoriza a beleza do negro. Antes dos retratos discutimos diversas questões sociais, de gênero e cor”, diz.
Todo ensaio traz uma boa história de bastidor que poucos vivenciam. Arthur se recorda especialmente de uma jovem que chegou ao estúdio com um batom vermelho vibrante, e contou que, antes de ser retratada, tinha receio de usá-lo. “Nas fotos ela se enxergou como é, completamente linda”, afirma. Depois da sessão de fotos, a jovem foi convidada para ser garota-propaganda de algumas lojas de sua comunidade.
Tudo ao mesmo tempo agora
A conversa flui com várias referências, como Avedon e Cartier-Bresson, no entanto, impossível não lançar a provocação: o que pensa o fotógrafo em tempos de milhares de aplicativos, uma infinidade de filtros para a imagem, excesso de registros e a geração selfie? “Eu amo o que os adolescentes trazem de inovador. Gosto de conviver com eles, trocar experiências. Eles sempre estão um passo à frente em algumas descobertas e novas formas de comunicação” , afima Arthur.
A fotografia, como uma arte dinâmica e contemporânea, deve absorver e filtrar múltiplas influências e caminhos que possam até parecer divergentes. “Um bom fotógrafo não se define somente pelo melhor equipamento e pelo conhecimento técnico. Claro que a qualidade é fundamental no processo, mas me interessa um trabalho questionador, que levante mais perguntas do que dê respostas ou soluções. Eu tenho clareza do caminho que quero trilhar, porém me permito ter questionamentos, rever conceitos e trabalhar ideias de maneira mais horizontais”, completa.
Biografia resumida
Arthur Senra, 30, é mineiro de Belo Horizonte. Brain Director and Photographer do estúdio Ponto 618, é formado em Cinema pela Escola Livre de Cinema (2007), em Publicidade e Propaganda pela UNI-BH (2009) e pós-graduando em Fotografia pela UNA.
Após passagem por agências de publicidade da capital mineira como Diretor de Arte, abriu seu próprio estúdio e realizou vários projetos culturais, dentre eles: direção do documentário “Yves Eterno Inconfidente”; fotos e textos do livro “Vitória aos Montes Gerais”; e as fotos do livro “Entradas e Outras Bandeiras”, de Márcio Borges.
Projetos expositivos
Com a curadoria de Tibério França, a exposição “Irrevelável Segredo” (2014) apresenta, em um caminho fotográfico, o entorno e as pessoas que convivem com a única linha de trem de passageiros do Brasil que mantém diariamente viagens entre duas regiões metropolitanas: Belo Horizonte (MG) a Cariacica (ES). Trinta anos após a última revitalização da linha, um novo trem de passageiros foi implementado em agosto de 2014, o que faz deste ensaio fotográfico, realizado pouco tempo antes da troca, o último registro da estrutura que circulou na região por três décadas.
Ponto 168
Reunido experiência em áreas como publicidade, design e cinema, é focado em soluções criativas. A fotografia é a principal ferramenta para construir os significantes necessários para resultados reais. A estética apurada é sua marca, não só pelos aspectos visuais, mas pela intencionalidade impressa em cada processo.
Conheça: https://ponto618.com.br
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